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Felicidade, hipermotivação e o sentido da vida


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Vídeo clipe (WMV; 0.94Mb) de um velho rato atravessando uma
grade eletrificada para auto-estimular seus centros de prazer.


Hipermotivação

Pisar em uma grade fortemente eletrificada é altamente aversivo. Um rato desesperadamente faminto – mesmo um que não come há 10 dias – não atravessará uma jaula com o piso eletrificado para chegar a uma fonte de alimento: os choques são dolorosos demais. Mas um rato com eletrodos implantados em seu circuito de recompensa neural vai atravessar a grade, repetidamente, para obter a chance de auto-estimular seus centros de prazer. A estimulação elétrica direta do sistema dopaminérgico mesolímbico é tão irresistivelmente agradável [overpoweringly delightful] que a recompensa antecipada eclipsa a dor imediata.

O sistema dopaminérgico cerebral tem uma dupla função psicológica: ele não regula apenas o prazer, mas o desejo cue-induced*. Disposições [cues] tais como ver, cheirar ou provar algo potencialmente agradável – e a perspectiva de pressionar uma alavanca mágica – aumenta o desejo por uma recompensa antecipada sem necessariamente aumentar o prazer da recompensa em si. Um rato experiente com eletrodos em seus centros de prazer é altamente motivado. Uma mãe abandonará seus filhos não desmamados a fim de se auto-estimular indefinidamente.

Drogas euforiantes como a cocaína e anfetaminas ativam o circuito mesolímbico de recompensa do mesmo modo. Mas também ativam os mecanismos homeostáticos do cérebro. Estes são mecanismos de controle que regulam o nosso nível de bem-estar (ou, mais freqüentemente, mal-estar) análogos aos loops de feedback inibitórios do, digamos, sistema termorregulatório. Assim, psicoestimulantes ativam não apenas os mecanismos de recompensa, mas também “produtos químicos do stress” neurais [neural “stress chemicals”] como o fator liberador de corticotrofina (CRF); os antagonistas do receptor CRF-1 que agora estão no mercado de produtos farmacêuticos são promissores agentes anti-ansiedade e antidepressivos.

Nosso sistema de estresse endógeno serve para minimizar, ou agir como um freio sobre a quantidade e a qualidade do prazer que podemos obter “naturalmente” durante a vida. Essa limitação projetual é modestamente satisfatória para os calvinistas farmacológicos e fundamentalistas religiosos assemelhados. Ela também é a causa de grande sofrimento e mal-estar. A hiperatividade do estresse induzido dos neurônios hipotalâmicos CRF/CRH, contribui para a hiperatividade do sistema do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA). A hiperatividade crônica do eixo HPA, eventualmente desmotiva e deprime as suas vítimas. A super velocidade do eixo HPA [HPA hyperdrive] pode levar a um espectro de desamparo aprendido e desespero comportamental característico de algumas formas de depressão clínica.

Em contrapartida, a auto-estimulação intracraniana direta corrompe esses mecanismos homeostáticos. O usuário de wirehead [Wireheading] nunca deixa de se sentir sublime, independentemente de quantas vezes o sujeito auto-estimula os centros de recompensa neurais. Possivelmente – embora isso seja controverso – a tolerância a seus efeitos hedônicos esteja ausente porque a estimulação elétrica do sistema dopaminérgico mesolímbico ativa a via final comum do prazer. O “hostspot hedônico” exato permanece elusivo. A assinatura molecular da felicidade pura ainda não foi identificada. O papel do receptor de opióides do subtipo mu (?) é claramente crítico. Mas a resposta pode estar na química única dos neurônios espinhais médios no reservatório rostromedial do núcleo accumbens.

Experimentos com grades eletrificadas para a auto-estimulação humana para navegar [navigate] não são nem iminentes, nem éticos. Portanto, não podemos provar o quão poderosamente motivador seria a implantação de microeletrodos otimamente localizados [optimally-located microelectrodes] em seres humanos normais. Mesmo sendo simples [uncomplicated], o wireheading é considerado, atualmente, antiético pela ortodoxia médica. Assim, as experiências pioneiras em seres humanos de Tulane, do controverso psiquiatra Robert Heath, não foram repetidas ou aperfeiçoadas – até mesmo as para tratar vítimas de depressão refratária que não respondem aos antidepressivos convencionais. Em vez disso, a estimulação magnética transcraniana repetitiva (EMTr), ECT (eletroconvulsoterapia), e até mesmo (raramente) a psicocirurgia são medicamente sancionadas in extremis para depressivos “resistentes ao tratamento”. Sua eficácia clínica a longo prazo é incerta. A estimulação do nervo vago foi licenciada para o tratamento de depressão refratária no início de 2006; mesmo que o FDA reconheça que a evidência para sua eficácia seja fraca.

Um design melhor de fármacos é uma opção. Uma solução a longo prazo para os males da vida darwiniana é reescrever o nosso próprio código genético. Nossos descendentes geneticamente melhorados podem desfrutar de níveis de motivação incentivadora [incentive-motivation] que são análogos – e possivelmente muito maiores do que – aquilo que impele um rato a atravessar uma grade eletrificada como um ingrediente da saúde mental ao longo da vida [lifelong mental health]. A decodificação do genoma humano – e em breve do proteoma e do transcriptoma – abre possibilidades técnicas, as quais seria antiético ignorar num mundo viciado e dilacerado pela dor. Para podermos ampliar, modular e redesenhar potencialmente a arquitetura dos nossos próprios mecanismos neurais de recompensa. Ao contrário do nosso termostato corporal, que pode operar apenas dentro de uma faixa estreita de temperatura, os mecanismos homeostáticos que determinam a emoção e a motivação humana podem ser recalibrados radicalmente. Recalibrar o eixo prazer-dor pode dotar-nos de um “setpoint” emocional muito maior, em torno do qual oscila, em vez da sombria norma darwiniana.

É prudente evitar intervenções de maximização de prazer bruto, pois a felicidade uniforme não é mais educativa ou esclarecedora do que o desespero uniforme. Uma pessoa emocionalmente estável por completo – e, em teoria, uma civilização inteira emocionalmente estável – poderia ficar “num impasse”, quer esse “impasse” seja entre um lamaçal de desânimo ou um patamar subótimo global de felicidade. Mas a aprendizagem e o desenvolvimento pessoal, baseados em gradientes de bem-estar, podem ser educativos e poderosamente motivadores. Uma vida animada por gradientes de bem-estar também é pessoal e espiritualmente mais enriquecedora do que a aprendizagem baseada em gradientes de dor.

Neste cenário, dias problemáticos, em qualquer época pós-darwiniana futura da engenharia do paraíso, podem ser apenas maravilhosos, em vez de sublimes. A adaptação hedônica de uma espécie [sort] pode persistir. Daqui séculos, os análogos computacionais funcionais [computational-functional analogs] das tradicionais “lições dolorosas” subsistirão, porém não as suas cruéis texturas darwinianas. Certamente, até mesmo o patamar homeostático de nossa (in)felicidade poderia ser potencialmente redefinido em um nível de estados de bem-estar sustentáveis, cuja a magnitude é superior à norma de adaptação para os pequenos grupos sociais de macacos nus da savana africana.

Qual é o limite teórico máximo de felicidade pura? Nós não sabemos. A metodologia empírica da ciência deveria ser usada para descobri-lo? Nenhuma proposta de pesquisa com essa finalidade recebeu financiamento até agora. O quão precisamente o prazer e a dor podem ser quantificados em uma escala unidimensional única? Isso é discutível, embora mais como uma complicação do que como um obstáculo basilar para o projeto abolicionista. Quais mecanismos genéticos de segurança podem evitar – ou que hoje em dia não conseguem impedir – que a felicidade extrema descambe numa espiral de mania psicótica? Mais uma vez, nós ainda não temos certeza. Este desafio deve ser cumprido antes que possamos explorar com segurança a terapia germinal em prol da super saúde mental hereditária.

O SENTIDO DA VIDA?

Futuramente, análogos de wireheading mais seguros e sofisticados poderão, eventualmente, ser oferecidos como uma possibilidade de estilo de vida pessoal. Certamente, é implausível que a liberdade para a utilização de wireheading [the freedom to wirehead] possa ser considerada um direito humano básico. Apesar de tudo, um direito inalienável à “busca da felicidade” foi reconhecido pelos fundadores dos EUA. Ele foi consagrado na Declaração de Independência (1776). Contudo, a busca pelo uso de wireheading ou de seus análogos, não é uma estratégia evolutivamente estável – seja para roedores, macacos, ou uma futura civilização (pós)humana. Na era da medicina genômica amadurecida, quando o corrupto código herdado [corrupt legacy code] de nossos ancestrais tiver sido reescrito, nossos descendentes poderão ser animados por gradientes de felicidade vitalícia muito mais ricos, multidimensionais, e mais profundos do que qualquer coisa fisiologicamente acessível no momento. Globalmente, contudo, é difícil imaginar como o bem-estar individual poderia ser puramente orgásmico, não direcionado para objetos intencionais. [“Intencionalidade” é um termo filosófico para o “direcionamento ao objeto”, ou a “tematicidade” do pensamento.] A pressão de seleção não favorece vertebrados superiores que negligenciam suas crias.

Durante milhões de anos, a seleção natural favoreceu a “encefalização da emoção”. Nós nos tornamos mais inteligentes e (relativamente) mais sofisticados emocionalmente. Sentimentos crus e emoções provocam representações neocorticais de nós mesmos e de nosso ambiente, de modo que tendem a maximizar a aptidão inclusiva de auto-replicação do DNA. Mais recentemente, a valiosa [rich] sintaxe generativa da linguagem humana, permitiu-nos ser (in)felizes “sobre” inúmeras noções além das de nossos ancestrais hominídeos. [enables us to be (un)happy “about” innumerably more notions than our hominid ancestors.] Notoriamente, a descontinuidade representada pela iminente revolução na medicina reprodutiva – uma importante transição evolucionária no desenvolvimento da vida na Terra – poderia, em princípio, inverter esta tendência a longo prazo da complexificação. Na era pós-darwiniana da seleção “não natural” baseada no design premeditado, nós poderíamos, teoricamente, escolher os genes que fariam nossos filhos muito felizes, ao invés de somente felizes. Mas é mais provável que nossos descendentes optem, alternativamente, por apreciar o bem-estar de seus filhos (e de si mesmos), que é muito mais encefalizado do que o nosso. É quase certo que os descendentes serão mais inteligentes e até mais agradáveis. A tendência a encefalizar sentimentos pode acelerar, ainda que tais sentimentos tendam a se tornar mais profundos, intensos e belos. Nossa paleta emocional pode ser diversificada para além dos atuais apetites darwinianos primitivos e de suas sublimações brutas. Assim, o nosso bem-estar enriquecido pode ser predominantemente empático, sensual, psicodélico, cerebral, estético, introspectivo, maternal, ou assumir formas de consciência inimagináveis para os seres emocionalmente primitivos do século XXI.

Nossos sucessores pós-humanos presumivelmente não sofrerão as agonias de nossos roedores de laboratório em busca dessas vidas estimulantes. Nenhuma grade eletrificada cruel precisará ser atravessada. Na nova era reprodutiva, o bem-estar emocional e a prodigiosa força de vontade poderão ser potencialmente conectados geneticamente como uma pré-condição de saúde mental. A “felicidade autêntica” não precisa ser perseguida. Tal como um senso de significado e propósito, ela pode ser inata.

Hoje, entretanto, muitas pessoas acham difícil sair da cama pela manhã. Dada a prevalência da distimia crônica, anedonia e depressão de baixa intensidade até mesmo na população “saudável” em geral, tal inércia dificilmente surpreende. Por que se preocupar em se esforçar se o retorno subjetivo é tão insuficiente? Depressivos e pessoas desmotivadas tendem a achar a vida “sem sentido”, “absurda” e “fútil”. Pensamentos niilistas e mentalidades angustiadas [angst-ridden mindsets] são comuns. Sentimentos de inadequação e insuficiência podem assombrar os ostensivamente bem sucedidos. E o mundo está cheio de transeuntes feridos [walking wounded] cujo espírito tem sido esmagado.

Por outro lado (e por razões evolucionárias, com menos freqüência), pessoas hipertímicas ou hipomaníacas eufóricas tendem a achar a vida intensamente significativa. Um elevado senso de significação faz parte da contextura de suas vidas. Se a nossa felicidade está em tomar cuidado – seja geneticamente, farmacologicamente ou eletrocirurgicamente [electrosurgically] – então o sentido da vida parece ser cuidar de si mesmo.

Depressivos, filósofos e cientistas cabeças duras [hard-nosed] poderiam responder que “o sentido da vida” é cognitivamente sem sentido, um placebo verbal vazio de conteúdo proposicional. Pessoas felizes e hipermotivadas, por outro lado, acham o sentido da vida auto-intimador [self-intimating], escrito dentro da contextura do (seu) mundo.

Apatia crônica, força de vontade fraca, transtornos depressivos e os modos mais desagradáveis e tóxicos da consciência darwiniana podem, em princípio, ser remediados através de 1] fármacos, 2] genes ou 3] eletrodos. Essas opções não são mutuamente exclusivas. O projeto abolicionista e qualquer civilização pós-darwiniana baseada na engenharia do paraíso poderia, teoricamente, tirar proveito de todas as três. Mas cada opção é altamente controversa.

Original title: Hypermotivation and The Meaning of Life
Author: David Pearce
Translated by: Gabriel Garmendia da Trindade (2010) see too 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 & 8 .




REFERENCES
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